5 de set. de 2019

SONETO DE SEPETIBA


Se a restinga é de Yemanjá        
São seus braços que envolvem a baía
Virada à margem esta já
Fitou na maré melancolia

Sorriso algum sob um oja

É maior na dor que se maquia
De um muro onde hoje se arroja
Sal no rosto além da maresia

Vem-me a Brisa com seu odor

E a oração que sufoca a garganta
No eterno adeus abrasador  

Com vinho um poema que decanta

A procissão que sem andor
Prossegue ao lado de uma santa

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20 de set. de 2018

O que é o almoço?

Trago na caixa dos peito um incômodo.
Feito seca do chão rachado,
Tem mais água escorrendo no rosto
Do que sangue nas veia.

Não vejo nada, só esbarro.
E esse breu candeia não resolve, não,
Nem a queimada que a seca trás
Leva embora nossa cegueira.

Veio no êxodo e espera a Terra Prometida.
Cabra quebrado feito de dor,
Me ensina a construir outra coisa
Que não seja um amor torto e infante.

Tua boca tá aberta e a minha amarrada.
Tô amassando os dias com feijão,
Pra ver se a minha moringa aguenta
Já que a vida num me desce nem com farinha.

Coisa assim do tempo do ronca.
Tu que foi homem antes de ser menino,
Me fez velho sendo eu novo
Com uma história tão antiga.

Me dá um Lá Maior com Nona que é pra te contar.
Vai cair um pé d'água,
Mas não sei se é o tempo fechando
Ou a ferida se abrindo.

O céu vai desabar e eu não sei mais como se brinca.
Cadê as estrada do teu corpo,
Que eu tô perdido e então diz
Que caminho eu pego, que caminho eu deixo?

4 de set. de 2018

-ESQUECIMENTO-


Fulgura,
de um choro em fumaça quente.
Do ventre
emana o formol que borbulha.
Augura
que há muito se faz presente
Entre
memória que agora entulha.

Conspira,
faz dessa brasa um palanque.
Da gangue
elegante em casta maldita.
Respira
fundo até que a corda estanque
Sangue
de uma retidão cenobita.




2 de mai. de 2018

Espuma


Gozo que explode em fugaz tempestade
Graça que nós buscamos em pecado
Greta que evoca um mar de bestidade
Germinando na encosta o nosso fado

É como corpo que vibra sob a onda
Ecoa o gotejar desta estalactite
Entre a corrente em que a cascata estronda
E a margem que circunda o apetite

Mostro o que em minha língua já se conta
"Mesmo o que de orvalho faz-se dilúvio
Move a chama que explode no Vesúvio"

E escolho a linha em que mudo se afronta
Este oceano em que me torno ofegante
É um raso fundo onde se é navegante




19 de jun. de 2017

PENUMBRA

O dia foi amargo, como o café e os cigarros que me ajudaram a atravessar as horas. Estive meio perturbado durante a semana, com um frio inexistente além das paredes da minha casa, com sensações que nunca foram minhas cúmplices.

Sendo um pouco mais direto, escrevo esta mensagem como um pedido de ajuda, na esperança de que sua mente sempre firme e racional me auxilie a afastar os fantasmas que meus medos têm moldado em todos os cantos e sombras dos cômodos. Me afastei do álcool a fim de traçar uma trilha mais clara em meus pensamentos, entretanto, fora a abstinência e seus castigos, adquiri apenas a certeza de que nenhuma sobriedade é suficiente para explicar a noite que antecede este relato.

Com o crepúsculo do último dia útil da semana passada, veio a melancolia que o ócio me reserva. A saudade e a tristeza provocadas pelo fim do meu casamento acentuaram os meus problemas com a bebida e o fumo. Assim, as horas fora do trabalho reservo para os bares, que quando enfim são fechados me forçam a voltar para a cama. E foi justamente o caso da madrugada em questão.

A lua já estava próxima do horizonte e uma neblina fina banhava o meu jardim. Entrei cambaleante pelos fundos da casa, não antes de perder bons minutos procurando o meu molho de chaves e me sentir um tolo ao notar que as perdera no pub do qual voltara. Após pressionar a porta, e finalmente passar pela área de serviço, notei uma silhueta no meu escritório. Um vulto que não fugiu quando fixei o meu olhar.

Armado com um escovão de madeira que tateei naquela penumbra, me esgueirei pelo corredor tanto quanto a ebriedade permitiu. Como as habilidades motoras não se estendem após tantas doses de conhaque, tropecei. O movimento fez o piso de madeira estalar, fazendo com que o meu algoz se desse conta da minha presença. “Pai?!”, indagou o homem com uma voz que me causou estranheza, um profundo desconforto. Certo de que se não um louco, o invasor acreditava falar com um outro possível criminoso, pensei o mais rápido que pude em uma ação efetiva. Nos encaramos assim durante alguns poucos e terríveis segundos, que terminaram quando avancei contra a figura desferindo um golpe com o cabo do escovão.

Percebo que a esta altura o acontecido seja suficiente para servir de explicação para o meu presente incômodo, porém, o desfecho não foi menos que confuso. Acontece que acordei no fim da manhã, desorientado e assustado, esperando pelo pior. Me encontrava jogado no chão do escritório como se estivesse acordando de um desmaio. Na casa, ninguém mais. Dos meus bens, nada menos. Tudo parecia tratar-se de um sonho.

Investiguei todos os cantos da casa, e quando enfim satisfeito, também as redondezas do quarteirão. Nada parecia validar a violenta experiência que eu passara. Tudo parecia se encontrar exatamente no lugar onde deveria. Acredito que se não fosse o caso da porta dos fundos se encontrar aberta, o que se justificou por eu não a fechar ao entrar, eu provavelmente me convenceria de ter passado por uma forte alucinação. Seria talvez o caso do meu uso excessivo de álcool? A dúvida me fez telefonar para o departamento de polícia, que prontamente enviou uma diligência para o local.

A pouco interessada observação dos oficiais se deu por satisfeita quando notaram que eu ainda sofria os efeitos da embriaguez, e deixaram o local com um  desdenhoso “Acredito que o caso é que o senhor deve ter sonhado com isso”. A vergonha não me permitiu contrariar a sugestão e passei as primeiras horas da manhã extremamente inquieto. De modo que decidi fazer o desjejum quando o Sol já se encontrava no ponto mais alto.

O dia passou morosamente, e a noite soou como a eternidade. Não pude dormir um só minuto, e não me permiti apagar as luzes dos quartos. Ao raiar do dia seguinte, saí de casa e não voltei até não me restar a opção de ter o convívio efêmero dos bares, mesmo que eu não tenha me deixado beber além de sucos e chás. E desta forma a semana correu, me privando o sono e saúde. Com tamanha indisposição faltei o trabalho, gerando interesse dos meus colegas e familiares sobre o que se passava comigo.

Foi assim que na manhã de ontem eu decidi telefonar para os meus pais e contar tudo o que estou dividindo neste momento. Como esperado, a preocupação foi desmedida. Minha mãe já tinha como certo a minha insanidade e perdição. Meu pai, um pouco mais controlado, a acalmou e prometeu me visitar pela noite. Talvez me levasse com ele para a sua casa, onde talvez eu pudesse descansar. Combinado isso, não saí de casa durante a tarde. Pude finalmente deixar as lâmpadas apagadas, e com os raios de luz transbordando pelas janelas mal levantei da minha poltrona. A fadiga acumulada, a claridade e a esperança de melhorar meu juízo, me adormeceram.

Despertei com o ar condensado sendo disparado da minha boca, com frio e sem reconhecer nada além da janela que parecia envolta em uma extensa bruma. O Sol já não me fazia companhia, e a escuridão pesava sobre mim. Levantei assustado, tentando achar um interruptor ou vela. Foi então que me aproximando da porta escutei um barulho que me fez virar assustado. Tal como o reflexo, indaguei: “Pai?!”

Enquanto a palavra percorria minha boca, um calafrio subia a espinha. Paralisado na porta, meus olhos se encheram de lágrimas. E antes de conseguir dizer qualquer outra coisa, ou mesmo me mover, um golpe me acertou. Acordei esta manhã no chão do escritório, e sem saber como agir a partir de agora eu decidi procurar a sua ajuda.


22 de mai. de 2016

Três atos em Silêncio

Alma
Através do ar condensado que saía de sua boca ressecada pelo frio, ele enxergara algumas gotas de orvalho escorrendo pelos cantos de uma das folhas do jardim. Os seus olhos imitavam a cena enquanto a recordava. Percebeu-se imóvel, esperando em silêncio algum conselho das plantas. Uma manhã gelada que não saíra de sua mente, da maneira como são as lembranças que nos marcam sem nos contar o porquê.
O assobio do vento cantarolava uma música diferente dos dias anteriores, em um ritmo descompassado, sem aparente ensaio. Ao fundo ainda se ouvia a mãe, berrando com voz esganiçada de seu apartamento no terceiro andar, o que se não fosse por acontecimentos maiores, seria a pauta central na reunião dos condôminos marcada para a semana seguinte. Não seria a primeira vez que seus escândalos serviriam de munição para os vizinhos.
Através da janela de um dos prédios do bloco adjacente, viu na televisão de tubo um homem de meia idade vestido de rato. “Alcalina?!”, ele disse preenchendo a boca do homem fantasiado. O som não alcançava os seus ouvidos e ainda assim podia escutar cada palavra vinda das memórias de um dia congelado. Um episódio como qualquer outro do seu programa infantil favorito. Seria mais um rabisco esquecido no meio de um borrão, mas o porquê da memória nunca fora um mistério para ele. Caso fosse, deixaria de ser no momento em que ouviu a histeria no andar de baixo. Palavras amargas subindo como fumaça, sufocando como sempre fizeram. A cada instante, a cada murro e deboche vindo da boca drogada da “vadia” - como ele se referia vociferando -, mais um punhado apertado de recordações. Catalogou mais uma vez todas as frases, mesmo que “Devia ter te abortado!” lhe descesse muito pior do que as outras; com muito mais lentidão do que sua mãe gostaria de tê-lo feito descer pelo sanitário.
Do parapeito não se enxergava além da quadra em que estava. Uma neblina mansa, domesticada, cada vez mais densa e baixa, abraçava os prédios. Alguns vultos distantes, fantasmas murmurando sirenes, buzinas. Confundia-se ali a silhueta dos edifícios com a costura das montanhas, o borbulhar de chaleiras com o rugir dos aviões. Um garrote macio apertando aos poucos, perímetro por perímetro, como fungos em uma fotografia mal guardada.


Mente
As pernas trêmulas o lembraram que não mais coçavam sob o jeans. Há algum tempo já não desmontava seu apontador para utilizar a lâmina. Cansara-se de separar um tempo do banho para lanhar-se, de cortar fitas para conter os sagramentos que manchavam suas calças, de fugir das lições de educação física, e das perguntas indelicadas. Cansara-se, como cansara-se de todas as coisas.
Sua boca, serrada em uma expressão sisuda, impulsionava seu lábio inferior para frente. Com o vento, os cabelos, que descolavam de sua cabeça assim como a pele, chicoteavam seus olhos fundos, insones, assim como as maçãs de seu rosto, pálidas sobre o desenho evidente de seu crânio. Como uma cópia borrada feita por papel carbono, ele se apresentava como o reflexo de uma psique débil.
No tempo aberto da solidão de sua rotina, regadas com lágrimas e urina, cultivou pelos anos as sementes insalubres despendidas por sua família. Fazia com que germinassem, quando em momentos de crise esfregava o próprio corpo com os dedos arqueados de suas mãos, como se o processo pudesse abrir as fendas necessárias para libertá-lo. Não podia.


Corpo
Fosse pela atordoante sede de auto flagelo ou a completa falta de bom senso, ele se atirou do quarto andar. Talvez encontrasse a morte rápida caso não acertasse o solo como uma estaca; um tiro vertical que triturou seus ossos mas pouco afetou seus órgãos vitais. Ao efetuar o salto, empregou um pouco mais de força no pé esquerdo, o que inclinou sutilmente o seu corpo e fez com que o seu calcanhar direito tocasse o chão antes de qualquer outra parte. Calcâneo e tálus se partiram como festim - fogos de artifício para uma grande virada; fíbula e tíbia racharam-se, mas mantiveram-se o suficiente para que o resto da perna sentisse toda a energia do impacto. Soltando-se do quadril, seu fêmur o empalou internamente. Suas outras feridas mal seriam sentidas. Sob sua virilha, inchou uma enorme mancha, uma bolsa de sangue procurando espaço para sair. Trincou os dentes, retirando o esmalte dos molares, quase partindo os incisivos em um urro interno animalesco.
A lama daquela manhã chuvosa se alimentava de suas lágrimas e se acomodava em suas narinas. Mantinha-se estático ao soar interior que o impelia a pedir socorro e vibrava todo o corpo sobre o refluxo gastroesofágico. A dor cintilava como a estrela alva, retorcendo-o, fazendo com que o seu suco gástrico esguichasse sobre as folhas do jardim. Fosse o anúncio do inverno ou a perda de sangue, algo o amorteceu. Relaxou sobre uma manta anestésica, e tal qual uma criança fugindo de seus medos sob lençóis em um quarto escuro, adormeceu. E antes que as sensações o deixassem ao eterno descanso, sentiu sobre os lábios a língua áspera de um cão confuso e faminto.

3 de mar. de 2016

-SEDA-



Dos teus cabelos eram as nuvens
Quando cortara o vento com teus pés e asas
Tua língua a singrar meu corpo
A dividir o indivisível
Junta, medula, alma...
Hoje, despido como jamais estive
Nu como nenhum outro
Se deste corte fogem os encantos
É também deste a nossa fonte
Pois na carne viva se encontra a natureza de quem somos
Sem drama ou comédia
Jaz aqui a única verdade

O epitáfio da falsidade
"Você sabe. As intenções são como espadas de dois gumes; estando do lado deles, sempre irá se ferir."
Enxergará através dessa fenda a luz que iluminou os teus olhos
Ou se consumirá na artificialidade que a envolve

Meus pensamentos são como seda sobre teu corpo
E os meus suspiros unção sobre tua testa
Teu sorriso o desígnio do meu ânimo
E o teu amor o clamor do meu espírito

Além disto a verdade é menos verdade, e os dias são menos dias